domingo, junho 01, 2008

O MENINO QUE NÃO SABIA AMAR

Postava-se à janela todos os dias ao cair da noite. Os olhos fixos no horizonte.
O céu cor de fogo apagava-se lentamente no mar.
As luzes acendiam-se por toda a rua, e sobre sua cabeça acendiam-se também centenas, milhares de pontos que piscavam lá no alto, grudadas no imenso fundo breu infinito.
As ondas deslisavam baixinhas, salgando os pés dos que amavam.
Mãos entrelaçadas desfilavam, acompanhadas de sorrisos e declarações apaixonadas.
Não entendia como aquilo funcioava. Nunca conhecera alguém capaz de despertar-lhe o desejo de molhar os pés no mar, a não ser o próprio mar.
Foi nesse dia que seus olhos encontraram os dela. Escuros como o céu daquela noite.
Fitaram-se por longos minutos.
Ela cantava. Era como se só aquela voz fosse ouvida, transformando qualquer barulho em burburinho.
Pensou duas vezes antes de correr para encontrá-la. E foi.
Descalço, atravessou a rua sem desviar os olhos dela; sem deixar de seduzur-se pelo encanto daquela voz.
Quando se aproximou ela sorriu e caminhou em direção ao mar. Seguiu-a com os olhos e depois com os pés, que agora tocavam a areia.
Ensaiava algumas palavras, mas a música que saia daqueles lábios era melhor do que qualquer conversa.
E, de repente, sentiu a imensidão do sal tocar-lhe suavimente os pés. O coração disparou. Entendeu agora porque os amantes salgavam-se ao luar.
Quando deu por si, o mar cobria-lhe ate a cintura.
Chorava de felicidade. E continuava seguindo a voz daquela dos olhos cor da noite.
Sentia agora o sal na língua. Os pés não alcançavam mais o fundo. A voz começou a sumir lentamente.
Olhou para as estrelas que continuavam piscando sobre sua cabeça e deixou-se levar.
Afogou-se na imensidão e a única imagem que tinha em sua mente era a visão inebriante daqueles olhos.
A canção misturava-se ao chacoalhar das ondas sobre sua cabeça até que tudo escureceu.
E foi nesse dia que o menino que não sabia amar conheceu Iara.

(Usofruto poético e adaptação da lenda indígena A Iara.)
(Ao som de: O pescador e a Sereia - Felixbravo)

2 comentários:

Fabíola Amaral disse...

Fabi vc tem blog tbm!!! Ai amei aqui guria! Preciso me afundar pra conhecer um "Iaro"... hauahauahauahuaa
AMO

Unknown disse...

No meio das águas, quanta sacidade não há?
Dentro do Mar Absoluto quem jaz, jaz como se não morresse.