segunda-feira, dezembro 12, 2011

Pôr do sol e lavanda

Depois de alguns dias pensando ainda não consegui concluir qual é minha função nesse mundo. Não que eu esteja verdadeiramente preocupada com isso, até porque acho que só vou descobrir, se descobrir, quando estiver em meu leito de morte com meus netos e seus cachorros em volta da minha cama contando alguma piadinha boba pra eu dar risada.

O fato é que hoje, mais do que ontem, por exemplo, consigo detectar alguns papéis que desempenhei ao longo desses meus 27 anos e que não tinha percebido. Alguns deles, confesso, não me orgulho em nada de ter que carregar no meu ‘curriculo de papéis desempenhados’, mas não há outra opção, e o que não tem opção, selecionado está.

O que percebi hoje, mais do que ontem, é que tenho carregado um estigma de “rito de passagem” na vida das pessoas que sempre, invariavelmente, vem carregado de dor. É tanta lamúria atrelada à minha existência que às vezes dói pensar que as lembranças que têm o meu rosto carregam também aquela dor aguda lá no fundo do coração, que por alguns segundos tira o chão debaixo dos pés e dificulta a respiração.

Não sei até que ponto alguém pode achar bom ter esse tipo de lembrança dentro da mente – eu também tenho as minhas trágicas lembranças – mas o fato é que sou isso aí pra um número x de pessoas e sinceramente, não me agrada em nada.

Soa até meio pretensioso de minha parte dizer isso, mas já parti alguns corações. Já destruí sonhos, planos, já pulei fora, desisti, saí correndo no meio da rua, não liguei no dia seguinte e nem nunca mais. Em todas as vezes eu me senti forte e correta o suficiente, e confesso, não me arrependo e faria tudo outra vez. Não pela maldade da ação, porque não há prazer nenhum em fazer alguém sofrer, mas pela certeza de estar tomando a decisão mais adequada pra mim naquele momento; ou seja, eu já fui muito egoísta.

Mas daí eu reclamo, choramingo e praguejo contra aqueles que fizeram o mesmo comigo. Me questiono sobre o porquê de aquele menino que eu tanto amei logo depois que saí da faculdade ter me abandonado pelo telefone, daquela forma que eu julgava tão cruel. Ou o outro, que fez de um tudo e que disse que queria ir comigo pra Babylon do Zeca Baleiro e do nada sumiu, aparecendo hoje com uma família linda, cheia de filhos. E o primeiro de todos? Que simplesmente me trocou por uma menina mais velha - e mais magra, tenho que admitir? Eu achei aquilo o cúmulo da falta de hombridade. Sem contar aquele que morava longe, e que no dia de natal me disse que na verdade amava a ex-namorada e que estava comigo só pra testar o que sentia por ela. E ainda tem outros, que eu prefiro não comentar e não relembrar por enquanto, porque ainda dói.

Não que eu não tenha superado todos esses desamores. Ao contrário, mas me questiono sim, a razão de tudo isso. O que será que eu tinha de tão ruim? Por que não continuar comigo? Soa como uma não superação né? É, eu sei, mas acredite, não é nada disso. É uma questão de auto-aceitação.

E depois eu penso que eu também já troquei um namorado por outro - ele não era mais magro nem nada, era mais velho, apenas isso. Já desfiz um noivado há poucos meses do casamento, com as coisas quase 100% acertadas. Já perdi o interesse por outro, pelo simples fato de que ele não tinha nada pra conversar comigo. Não tinha a menor graça. Troquei um outro pelo trabalho e pelo sonho de ter uma família que, na época, ele com 20 anos e eu com 24, não teria a menor condição de acontecer. Já desisti de um garoto que tinha tudo pra ter dado certo, pela pura preguiça e insegurança de peitar os outros que eram contra, ou seja lá o que tivesse sido aquilo na época.

E hoje, engraçado, todos eles estão muito melhores do que eu. Veja que ironia. Meu ex-noivo está casado e feliz da vida; o outro, de loge, continua com aquela namorada em questão, o mais novo tá por aí, sambando na cara da sociedade com todo o sucesso que ele tem no trabalho. Muito, muito irônico eu tê-lo trocado pelo trabalho e hoje ele estar aí, famoso.

E eles só estão assim hoje, porque em algum momento da vida eu estufei o peito e coloquei pra fora minhas razões, virando as costas e deixando toda a história ali, na mão deles, dizendo que eles poderiam fazer o que bem entendessem daquilo tudo porque aquilo pouco me importava mais. O fato é que sei que esse virar as costas trouxe junto a minha cara eternizada em dor e sufocamento. Na minha experiência mais recente a dor e o sufocamento são mútuos, mas ainda existe, de uma forma ou de outra, a lembrança da minha cara e automaticamente, aquela pontada aguda no coração.

O pior dessa constatação toda é o meu egoísmo falando mais alto, porque eu queria ser uma lembrança agradável, branda, com aquele cheiro de lavanda e com cor de pôr-do-sol, sabe? É pretensão da minha parte querer ser lembrada pelas coisas boas, até porque, é muito mais fácil gravar a dor à excitação e falo isso pela minha própria experiência. Mas eu realmente queria ser aquela face que é lembrada com ternura e carinho. Eu não devo ter feito nada por merecer isso, óbvio, assim como as faces que carrego comigo também não o fizeram, mas eu sou egoísta e um pouco prepotente eu acho. É feio, eu sei, mas pelo menos eu admito.

E todos esses questionamentos e exposições, apenas para perguntar: e agora, como lidar com as lembranças? As minhas, as deles?

quinta-feira, dezembro 08, 2011

O gato, o rato e o amor

Ando quebrando a cabeça a respeito da origem da vida, do universo e tudo mais e infelizmente o 42 ainda não me soa uma resposta aceitável.
Na verdade os caminhos que me levariam ao 42 é que estão meio bagunçados, acho que foi isso o que tentei dizer.
Quase não dá pra perceber o quanto eu ando confusa né? E ultimamente algumas pessoas têm me perguntado muito sobre o que vem acontecendo, já que minha cara não me ajuda a tentar disfarçar esse emaranhado de coisas daqui de dentro da cabeça.

E não é só minha cara que tem refletido essa algazarra: se alguém entrar hoje na minha casa definitivamente terá uma sincope nervosa. Minha mãe se descabelaria e bradaria ao sete ventos que não criou uma filha pra viver numa casa tão bagunçada.

Mas confesso que o que me fez perceber que a coisa não anda muito bem aqui dentro da cabeça, por mais ridículo que pareça, foi uma propaganda de supermercado.
Fui ao cinema hoje e chorei assistindo a propaganda do menino que mora no exterior e não poderia vir ao Brasil para passar o natal com a família. Os amigos gringos fizeram uma vaquinha e lhe compraram as passagens, e ele voou para os braços de mamãe. Foi lindo, comovente e constrangedor, uma vez que as luzes da sala ainda estavam acesas e várias pessoas estavam sentadas próximas a mim. Eu estava sozinha, poderia fingir que não conhecia ninguém. É, na verdade eu não conhecia mesmo, não precisei fingir.

Mas enfim, fui ao cinema disposta a assistir "La Piel que Habito" e para minha surpresa o filme já havia saído de cartaz. Fiquei bem desapontada; queria chegar no trabalho no dia seguinte e comentar com uma amiga sobre o roteiro, a fotografia e atuação do Banderas.

Fiquei em dúvida entre os Muppets e O Palhaço, e optei pelo segundo. "Vamos prestigiar o cinema nacional, que anda precisando", pensei. Quando o filme começou me toquei que, muito provavelmente, o que me levou a escolher esse filme não foi o prestigio pelo cinema nacional e sim alguns fatos recentes e desconexos que andaram confundindo um pouco mais minha cabeça.

E que escolha feliz foi essa minha. Nunca agradeci tanto minha confusão mental quanto hoje. Não só pelo lindo trabalho do Selton Mello como ator/diretor/roteirista, nem pelo Paulo José, que amo de paixão, nem pela fotografia linda, terna e nostálgica. Mas por uma frase solta, ali no meio da história, que fez com que tudo terminasse bem e todos fossem felizes para sempre.

"O gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço"

Coisa linda de deus! Banal, pode dizer, mas lindo, profundo, apocalíptico eu diria.

Sai do filme pensando nisso. Na relação do gato, do rato, dos seus "destinos", do que são programados a fazer, condicionados a fazer, adestrados a fazer, estereotipados a fazer e do que realmente gostam de fazer.
Demorei um tempo até entender como seria a minha frase.

Eu poderia substituir "palhaço" por "produtora", "jornalista", "fotógrafa", "professora", mas nenhuma dessas palavras deixaria a frase 100% aplicável a mim.

E depois de repensar a vida, como nessas coisas de filme mesmo, conclui eu deveria substituir "e eu sou palhaço por "e eu amo".

Piegas, brega, coloque o adjetivo que quiser. Mas essa é minha relação com o destino, com o que está programado, com o que estou condicionada, adestrada, estereotipada a fazer. É o que me descreve, o que me molda; é o que me trouxe até aqui.
Se hoje estou na minha casa, numa cidade alucinada, longe da minha família, dos meus amigos, foi porque amei. Amei um sonho, amei uma mentira, amei um desejo de liberdade e de independência. E continuo amando; minha liberdade, minhas oportunidades, o que está por vir.

Fiquei menos confusa quando descobri minha frase. Acho que isso diz muito sobre os caminhos que vou trilhar até chegar ao meu 42.

"O gato bebe leite, o rato come queijo e eu amo".