Depois de alguns dias pensando ainda não consegui concluir qual é minha função nesse mundo. Não que eu esteja verdadeiramente preocupada com isso, até porque acho que só vou descobrir, se descobrir, quando estiver em meu leito de morte com meus netos e seus cachorros em volta da minha cama contando alguma piadinha boba pra eu dar risada.
O fato é que hoje, mais do que ontem, por exemplo, consigo detectar alguns papéis que desempenhei ao longo desses meus 27 anos e que não tinha percebido. Alguns deles, confesso, não me orgulho em nada de ter que carregar no meu ‘curriculo de papéis desempenhados’, mas não há outra opção, e o que não tem opção, selecionado está.
O que percebi hoje, mais do que ontem, é que tenho carregado um estigma de “rito de passagem” na vida das pessoas que sempre, invariavelmente, vem carregado de dor. É tanta lamúria atrelada à minha existência que às vezes dói pensar que as lembranças que têm o meu rosto carregam também aquela dor aguda lá no fundo do coração, que por alguns segundos tira o chão debaixo dos pés e dificulta a respiração.
Não sei até que ponto alguém pode achar bom ter esse tipo de lembrança dentro da mente – eu também tenho as minhas trágicas lembranças – mas o fato é que sou isso aí pra um número x de pessoas e sinceramente, não me agrada em nada.
Soa até meio pretensioso de minha parte dizer isso, mas já parti alguns corações. Já destruí sonhos, planos, já pulei fora, desisti, saí correndo no meio da rua, não liguei no dia seguinte e nem nunca mais. Em todas as vezes eu me senti forte e correta o suficiente, e confesso, não me arrependo e faria tudo outra vez. Não pela maldade da ação, porque não há prazer nenhum em fazer alguém sofrer, mas pela certeza de estar tomando a decisão mais adequada pra mim naquele momento; ou seja, eu já fui muito egoísta.
Mas daí eu reclamo, choramingo e praguejo contra aqueles que fizeram o mesmo comigo. Me questiono sobre o porquê de aquele menino que eu tanto amei logo depois que saí da faculdade ter me abandonado pelo telefone, daquela forma que eu julgava tão cruel. Ou o outro, que fez de um tudo e que disse que queria ir comigo pra Babylon do Zeca Baleiro e do nada sumiu, aparecendo hoje com uma família linda, cheia de filhos. E o primeiro de todos? Que simplesmente me trocou por uma menina mais velha - e mais magra, tenho que admitir? Eu achei aquilo o cúmulo da falta de hombridade. Sem contar aquele que morava longe, e que no dia de natal me disse que na verdade amava a ex-namorada e que estava comigo só pra testar o que sentia por ela. E ainda tem outros, que eu prefiro não comentar e não relembrar por enquanto, porque ainda dói.
Não que eu não tenha superado todos esses desamores. Ao contrário, mas me questiono sim, a razão de tudo isso. O que será que eu tinha de tão ruim? Por que não continuar comigo? Soa como uma não superação né? É, eu sei, mas acredite, não é nada disso. É uma questão de auto-aceitação.
E depois eu penso que eu também já troquei um namorado por outro - ele não era mais magro nem nada, era mais velho, apenas isso. Já desfiz um noivado há poucos meses do casamento, com as coisas quase 100% acertadas. Já perdi o interesse por outro, pelo simples fato de que ele não tinha nada pra conversar comigo. Não tinha a menor graça. Troquei um outro pelo trabalho e pelo sonho de ter uma família que, na época, ele com 20 anos e eu com 24, não teria a menor condição de acontecer. Já desisti de um garoto que tinha tudo pra ter dado certo, pela pura preguiça e insegurança de peitar os outros que eram contra, ou seja lá o que tivesse sido aquilo na época.
E hoje, engraçado, todos eles estão muito melhores do que eu. Veja que ironia. Meu ex-noivo está casado e feliz da vida; o outro, de loge, continua com aquela namorada em questão, o mais novo tá por aí, sambando na cara da sociedade com todo o sucesso que ele tem no trabalho. Muito, muito irônico eu tê-lo trocado pelo trabalho e hoje ele estar aí, famoso.
E eles só estão assim hoje, porque em algum momento da vida eu estufei o peito e coloquei pra fora minhas razões, virando as costas e deixando toda a história ali, na mão deles, dizendo que eles poderiam fazer o que bem entendessem daquilo tudo porque aquilo pouco me importava mais. O fato é que sei que esse virar as costas trouxe junto a minha cara eternizada em dor e sufocamento. Na minha experiência mais recente a dor e o sufocamento são mútuos, mas ainda existe, de uma forma ou de outra, a lembrança da minha cara e automaticamente, aquela pontada aguda no coração.
O pior dessa constatação toda é o meu egoísmo falando mais alto, porque eu queria ser uma lembrança agradável, branda, com aquele cheiro de lavanda e com cor de pôr-do-sol, sabe? É pretensão da minha parte querer ser lembrada pelas coisas boas, até porque, é muito mais fácil gravar a dor à excitação e falo isso pela minha própria experiência. Mas eu realmente queria ser aquela face que é lembrada com ternura e carinho. Eu não devo ter feito nada por merecer isso, óbvio, assim como as faces que carrego comigo também não o fizeram, mas eu sou egoísta e um pouco prepotente eu acho. É feio, eu sei, mas pelo menos eu admito.
E todos esses questionamentos e exposições, apenas para perguntar: e agora, como lidar com as lembranças? As minhas, as deles?